terça-feira, 27 de novembro de 2012

Valter Hugo Mãe - Prêmio Portugal Telecom

Na última segunda feira ( 26 de novembro ) foi anunciado os vencedores do Prêmio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa, o vencedor nas categorias Melhor Romance e o Grande Prêmio foi Valter Hugo Mãe com o livro "A Máquina de Fazer Espanhóis".

Valter Hugo Mãe participou da Flip de 2011 ( Festa Literária de Paraty )  o livro "A Máquina de Fazer Espanhóis" foi lançado no Brasil durante o evento. O livro relata as reflexões de um barbeiro que passa a viver no asilo após o falecimento de sua esposa.

No domingo, 18 de novembro, o Jornal Público e a Revista 2 divulgaram uma crônica de Valter refletindo sobre a leitura digital e o livro como objeto do desejo. Aproveito a "deixa" da premiação para divulgar o texto:


Situar



Chamar Casa de Papel a uma crónica em torno das coisas dos livros é já denunciar um saudosismo romântico. Fica um tom melancólico no ar, uma poeticidade a mudar para antiga, talvez um certo lamento. Não sou nada contra o livro digital e a maravilha que as tecnologias oferecem. Mas sou do tempo do papel e sonhei com os livros de papel. Quando pensei ser escritor, um livro assim abriu-se acima da minha cabeça imaginária como um telhado sob o qual passei a habitar
.
Guardarei sempre essa ideia, ainda que possa vir a ler em ecrãs sofisticados e frios. O livro de papel, como o coração, é um símbolo. Habituei-me a conferir-lhe determinadas mágicas que, por mais sofisticação que me assalte, não serão substituídas. O livro, esse de folhas, pulsa. O livro pulsa.

As casas de papel são modos de pensar na tangibilidade do texto, na manualidade de que ele dependeu para ser lido. São modos de pensar nos autores. Cada autor como um lugar e um abrigo. Um lugar. Ler um livro é estar num autor. Preciso de pensar nos objectos para acreditar nos lugares. Oh, nossa deslumbrante desgraça mudadora, não consigo sentir-me bonito dentro de um Kindle, de um iPad ou de um Kobo. Penso em mim melhor numa coisa entre capas. A ilustração sem pilhas. As letras sem pilhas. Eternas e sem mudanças. De confiança.

Quantas vezes, estupefacto, abri um livro na mesma página para encontrar a mesma frase da mesma maneira apresentada? E que prazer saber que a expectativa de que aquele universo se preserve não sairia gorada, porque os livros de papel são estáveis, não pensam em ser outra coisa senão por dentro das próprias palavras. Precisei muitas vezes de reencontrar páginas específicas, com o seu grafismo cristalizado, o seu grafismo diamante, a guardarem-me o que não podia perder.

Amar um livro é pedir-lhe que seja sempre nosso, assim, como um amor que se conserva para repetir ou reaprender. Como poderemos jurar fidelidade a um texto que se desliga? É como não ter sentimentos, descansar na morte, não permanecer vivo enquanto espera por nós. É infiel. Não o podemos sequer perfumar e eu tenho livros que me foram oferecidos com aroma de buganvílias e canela. Gosto muito.Os leitores, sabemos bem, são territoriais. Como os cães. Sublinhamos e não suportamos os sublinhados dos outros. Ainda que toscos, mal alinhados, são a marca da nossa passagem por ali. É a reclamação da posse. Como os cães. Como, pois, dar provimento a essa natureza num ecrã? Que efeito terá uma linha mandada traçar por um comando asséptico que não se pode comparar com o chichi? O dos cães.Faz-me sofrer. Confesso. Faz-me sofrer.

http://www.publico.pt/cultura/noticia/xxx-situar-1573347

sábado, 24 de novembro de 2012

Calouste Gulbekian - As Idades do Mar


Calouste Sarkis Gulbekian foi um mecenas, de origem armenia, nascido em Istambul, empresário do ramo petrolífero que deixou uma imensa coleção de arte, transformada no Museu Calouste Gulbekian de Lisboa.

Desde o final de outubro a Fundação Calouste Gulbekian apresenta a exposição "As Idades do Mar" uma feliz tentativa de refletir a relação do mar com a sociedade ocidental através dos tempos, reflexão feita através de pinturas de diferentes épocas.

A proposta da curadoria é de abordar o mar através de idades, sem linearidades cronológicas, mas buscando seis momentos metafóricos da vida do homem com o mar.

A Idade dos Mitos -  Os mares agitados são povoados por divindades - Vênus, Neptuno, etc...


A Idade do Poder - As grandes navegações oceânicas - as potências marítimas europeias;


A Idade do Trabalho - A dureza da sobrevivência humana, a  pesca e o comércio marítimo;


A Idade das Tormentas - A força monumental da natureza e a audácia do homem em navegar;


A Idade Efémera - A praia como lugar de passeio, as temporadas de veraneio e os banhos de mar;


A Idade Infinita - O mar como desejo de evasão, que convoca o sentimento da eternidade.


Em tempos de crise da comunidade européia, onde os países do sul da europa vivem uma situação social e econômica tensa, o mar no imaginário lusitano sempre evoca uma fuga...uma melancolia. Tanto mar....navegar!!!

Veja mais no site:

http://www.museu.gulbenkian.pt/expoasidadesdomar_por/index.html






sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Pablo Trapero e Ricardo Darín em Elefante Branco


O cinema argentino consegue como ninguém contar grandes histórias, nos  últimos anos uma grande safra de competentes filmes argentinos fez uma multidão da fãs. Suas marcas são histórias com forte características humanistas, ironia, grande capacidade de fazer comédia com a própria desgraça, porém, com uma singela elegância.

Ricardo Darín é o rosto desse novo cinema argentino, a parceria com o diretor Juan José Campanella em O Filho da Noiva, Luna de Avellaneda e o premiado com o Oscar "O Segredo dos seus Olhos", todos com narrativas que emocionam pelo seu humanismo, pelos seus personagens cativantes renderam fama e sucesso.

Já a parceria de Darín com Pablo Trapero tem outra pegada, Trapero é visceral, seus filmes são de uma violência devastadora. Em Abutres, ludibriando pessoas vítimas de acidentes para beneficiar-se dos seguros, simulando acidentes para dar golpes nas companhias de seguro, desvendendo uma verdadeira máfia que vive em função desse crime.

Em "Elefante Branco" ,que estreou agora em SP, Trapero mostra um outro lado de Buenos Aires, o lado da miséria, uma favela criada em torno do esqueleto de um hospital, uma obra que não virou, um desses típicos projetos dos governos do passado, um hospital , que deveria ser o maior da América Latina e que vira um gueto tomado pelos narcotraficantes, onde na sua cobertura rola uma verdadeira cracolândia ( ou seria pacolândia ). Quanto tempo SP também teve seu esqueleto hospitalar na Av. Dr. Arnaldo, só não teve o mesmo processo de ocupação por causa da sua localização "nobre".

Darín é um religioso, um padre envolvido com a comunidade, tentando levar cidadania para aquele povo, no fogo cruzado da poder político, da cúpula da Igreja Católica e dos traficantes.

Impossível não comparar Cidade de Deus com Elefante Branco. O cinema argentino que focava a classe média portenha com esse novo filme de Trapero mostra a miséria, a favela, o tráfico , o "paco".


Impossível não relacionar o Padre Julián, o personagem de Darín, com vários religiosos que existem nas periferias, que herdeiros da Teologia da Libertação, hoje percebem a cúpula religiosa focada mais na liturgia, esquecendo uma tal de "opção preferencial pelos pobres" existente no passado, tempos atuais ditados por Ratzinger, vulgo Rottweiller de Cristo.