sábado, 28 de julho de 2012

Cannoli na Javari - Forza Seo Antônio


Eu adoro futebol, a emoção de uma partida, o imponderável do jogo, o antes, o durante e pós jogo, tudo isso me deixa fascinado. Comecei acompanhar futebol na década de 70, pós México, durante mais de 20 anos fui aguardando o tão sonhado tetracampeonato mundial da seleção brasileira.
Lembro nos anos 80 as músicas comentarem essa ansiedade, o clássico Itamar Assumpção com a sua Luzia

" Você nem vai ter o prêmio de consolação
Quando eu pintar, trazer a taça de tetracampeão
E uma foto no jornal
Chega pra lá Luzia, ainda vou desfilar
Tetracampeão Luzia, porta estandarte"

O trauma da derrota para Itália, na Copa de 82, inspirou um hino da década perdida, a música Inútil do Ultrage a Rigor:

A gente não sabemos
Escolher presidente
(...)

A gente faz música
E não consegue cantar
A gente escreve livro
E não consegue publicar
A gente escreve peça
E não consegue encenar
A gente joga bola
E não consegue ganhar.

Quando ganhamos em 94 a Copa dos EUA foi sem emoção, com assepsia, razão e negócio acima de tudo. O futebol tinha mudado. A famosa profissionalização é um tiro certeiro na emoção, no prazer. 

Descobri uma forma de manter viva a emoção do futebol: ir assistir jogos do Juventus na rua Javari, qualquer que seja a divisão que o Moleque Travesso esteja, qualquer que seja o adversário.

A Javari é um templo romântico do esporte, onde moleques em busca da fama e grana misturam-se com veteranos vivendo o ostracismo no campo. Nas arquibancadas aposentados misturam-se com a juventude mooquense, criando uma energia vibrante. Personagens insólitos não faltam, daqueles que acompanham o jogo no alambrado fazendo marcação homem a homem no bandeirinha; o grito de guerra da torcida toda vez que o goleiro do time adversário vai bater o tiro de meta, que ao tocar o pé na bola ouve um sonoro "fdp", etc.



Uma marca do futebol da Javari é ter uma iguaria siciliana: o cannoli. Um doce feito com uma massa doce frita em formato de um pequeno tubo recheado com creme a base de baunilha. O chef Sérgio Xavier contou que a origem provável do cannoli seria a utilização do resto de massa,   recheada com o resto do queijo ( ricota ),  a utilização dessas "sobras" teria dado origem ao cannoli.

A Javari tem filas imensas no intervalo e no final do jogo para comprar o Cannoli, quem comercializa esse doce siciliano e o Seo Antônio, um desses personagens de filme de Fellini que passeiam por esse bairro paulistano.

Hoje fui na Javari, assistir Palmeiras B e Juventus, Seo Antônio não estava lá, sofreu um infarte e está internado no Hospital, seus filhos e sua esposa estavam lá, a fila imensa na hora do intervalo, comprova um comentário comum da Javari:  o locutor anuncia o público pagante, hoje mais de 1.500 pessoas e depois a quantidade canollis vendidos algo em torno de 6 mil unidades. Seo Antônio faz falta, os meninos vacilaram no final e o Palmeiras ganhou de 3 x 2. Volta Seo Antônio!!!


Quem ainda não teve o prazer de assistir um jogo na Javari, veja o vídeo que a ESPN produziu sobre o seo Antônio, o Sr. Cannoli:


sábado, 21 de julho de 2012

A vida não está sopa



Entre as diversas características de SP que me deixam fascinado,uma se destaca:certos lugares insólitos que misturando gastronomia, boêmia e cultura entram para o universo mítico da cidade.Alguns exemplos: o bauru do Ponto Chic do Paiçandú, o sanduíche de pernil do Estadão, o churro da Mooca, o cannoli da Javari, a fugazza do Amigo Gianotti, etc.

A Sopa de cebola do Ceagesp também faz parte dessa categoria.A história da sopa de cebola remonta ao final dos anos 60 quando ela era servida no inverno, no antigo restaurante do Ceasa para os comerciantes e compradores que madrugavam na Vila Leopoldina. O sucesso superou esse público e espalhou-se pela cidade, tornado a sopa de cebola do ceasa um programa obrigatório para os amantes da noite paulistana.



Recentemente o Ceagesp organiza no inverno um festival de sopas, além da tradicional sopa de cebola ( em duas versões normal e granitada ), existem mais três opções que variam a cada semana, na minha última visita lá tinha: Roquefort com brócolis, mandioquinha com bacalhau e canja. 

Programa para ser feito com calma, tranquilidade, esperando sua mesa na fila e apreciando com vagar as iguárias, tudo bem no estilo slow food.


Nas madrugadas frias de SP também existe uma outra sopa tradicional: é a sopa da solidariedade. Não tem o requinte dos caldos e cremes dos restaurantes paulistanos, não possui o glamour  underground da sopa do Ceagesp, mas alimenta e esquenta corações e estomagos da população de rua da cidade. Preparada e servida por ONGs, religiosos e outros grupos solidários que tentam minimizar o sofrimento de um dos grupos sociais mais excluídos da cidade.

Para espanto geral tivemos recentemente a notícia que essa distribuição de sopa estava proibida. O prefeito da cidade proibiu essa legião de altruístas de servirem o sopão à população de rua. Evangélicos, católicos e ateus escandalizaram-se com tal falta sensibilidade, tal brutalidade.

Só a mentalidade insana e tacanha de alguém que " quer por fim na alegria da cidade" podia pensar nisso, foi ele: "Foi Cá, Sabe" - 


Já vai tarde!!!!!

Vídeo caseiro muito estiloso que rola no youtube.

A sopa do Ceagesp tem um blog: http://festivaldesopasceagesp2012.wordpress.com/

terça-feira, 17 de julho de 2012

Noborigama



Noborigama

Noborigama é uma técnica de produção de cerâmica, feita através de forno a lenha com  câmaras interligadas que conseguem atingir temperaturas superiores a 1.300 graus centígrados. Noborigama é uma técnica milenar oriental, noborigama quer dizer "o forno que sobe" ( nobori = rampa e gama =  forno ).

A singularidade do noborigama é que, no processo da queima, a peça torna-se única e original, pois o fogo interage diretamente com o barro. As cinzas criam uma película brilhante na parte externa da cerâmica, que no processo com o forno elétrico não existe, devido à uniformidade do calor. 

Nos anos 70, um arquiteto português estudando cerâmica no Japão, para fugir da ditadura de Salazar, conhece um casal de ceramistas japoneses e com eles realizam aqui no Brasil a montagem de um ateliê de cerâmica noborigama. O acaso coloca o Brasil na rota de artistas que com o fogo, o barro e as cores  buscam sua liberdade.



Em 1975 um pequeno grupo de ceramistas conseguem em comodato a área do desativado Matadouro de Cunha, cidade localizada na divisa de SP com RJ, que tinha as características de clima e solo adequadas para a cerâmica. O barro de Cunha é rico em óxido de ferro e caulim que possibilitam uma boa resistência as altas temperaturas, coloração e absorção do esmalte.

A partir do Ateliê do Matadouro  construíram um polo de cerâmica de alta temperatura  e de turismo na cidade de Cunha. Artistas como os pioneiros Alberto Cidraes e Mieko, Suenaga & Jardineiro e uma segunda geração como Augusto Campos e Leí Galvão tem seus ateliês abertos para que o visitante possa admirar o resultado do fogo e do barro transformado em arte.



Passar pelas montanhas de Cunha, visitando os ateliês de cerâmistas é trombar com a história do Brasil, Cunha está no trajeto da Estrada Real, do ouro que vinha de MG para ser embarcado no porto de Paraty com destino a metrópole.  Outro acontecimento histórico que tem Cunha como cenário é a reação da oligárquia paulista à Getúlio Vargas, combates da chamada "Revolução de 1932" aconteceram na região.

Uma viagem à Cunha, pode proporcionar arte, história e aventura, nada como arriscar-se na precária estrada de terra que liga Cunha - Paraty, no coração da Serra do Mar e da Serra da Bocaína. Tudo isso a apenas 250 km de São Paulo.


sábado, 7 de julho de 2012

Estórias Abensonhadas


Em uma semana agitada em SP com muitos ruídos e todas as estridências das paixões, do objeto do desejo conquistado, consegui sair desse clima de ufanismo e penetrar no delicioso mundo do Mia Couto, escritor nascido em Moçambique, com sua escrita sútil desvenda misterios da existência humana.

Revelo que procuro acompanhar a literatura de língua portuguesa contemporânea escrita fora do Brasil, autores que proporcionam prazeres singulares como: Inês Pedrosa, Helder Macedo, Valter Hugo Mãe e António Lobo Antunes.

Conheci a obra do Mia Couto através do romance "Um Rio chamado Tempo, Uma casa chamada terra" e fiquei extasiado. O livro de contos " Estórias Abensonhadas" chegou através de um presente, fico imaginando como é preciso ser sábio para indicar um livro, para fazer essa conexão das sensibilidades do autor e do leitor.

Os curtos contos de "Estórias abensonhadas" são abençoados e sonhados, abençoados não no sentido religioso, mas no significado de afortunado, fecundo, próspero. Mocambique parece tão distante, perdidos em seus conflitos políticos, sua guerra insana, na afastada África. E cada página que leio sinto tão próxima, tão sintonizada com nossa realidade.

Uma imagem reincidente de alguns contos fica martelando minha cabeça, o personagem enterrando-se. Seja a menina Novidadinha que foi colhida como uma flor pela terra, em " As flores de novidade "; como  Hortência, que para homenagear o falecido marido, deita-se na vala para que o companheiro morto venha abraçá-la, em "O calcanhar de Virgílio".
Deslumbrante é " O Cachimbo de Felizbento", onde com a chegada da guerra, Felizbento teria que sair de sua terra, sem poder levar suas árvores. Primeiro pensa em remover as árvores, levá-las consigo, mas desiste e prefere se enterrar naquela terra, gerando uma nova árvore, que na hora dos belos poentes africanos esfumaça, igual a uma chaminé.  

Certo dia caminhando esfomeado, procurando um lugar para comer em uma viagem, fiquei intrigado com o nome do restaurante: Inhaca. Entrei nele pensando como um restaurante podia ter um nome que remetia a fedor, catinga, má sorte conforme revela o Houaiss. Descobri que Inhaca é uma ilha, paradisíaca, na entrada da baia de Maputo, em Moçambique. Nada como Mia Couto, Lobo Antunes, Cesária Évora para revelar a África colonizada por Portugal, tão perto e tão longe do Brasil.

Adriana Varejão é artista plástica carioca, surgiu com a Geração 80, seu trabalho tem uma visceralidade extrema.No Inhotim, em Brumadinho-MG, tem um pavilhão dedicado à sua obra. Um dos elementos que marcam sua obra são os azulejos, a técnica de azulejaria lusitana.
Língua com Padrão Sinuoso é um tela de 1998 e pertence a série "Ruínas de Charque"