domingo, 19 de outubro de 2014

Os Sujeitos do Metrô - Beatriz Ferreira



Uma freada um tanto brusca e alguns ruídos do atrito das rodas com os trilhos. O trem acaba de chegar em uma de tantas outras estações do metrô.

Alguns sujeitos entram: Um homem sério de gravata e terno, um idoso apoiando-se com sua bengala. Um homem de cabelos bagunçados. Ele parecia um pouco cansado, talvez tivesse voltando para casa depois de um dia estressante de trabalho. Segurou barra de metal que estava a sua frente, mas preferiu se apoiar na parede do trem.

Abaixando um pouco , segurou sua mochila e começou a procurar algo. O ziper se abrindo fazia um pequeno ruído familiar, nada que incomodasse, até se perdia entre o barulho dos trilhos. Começou a procurar algo e tirou um objeto da mochila. Era um pequeno  caderninho, que tinha um lápis encaixado em sua espiral.

O moço se apoiou novamente na parede do trem , e desencaixando o lápis daquele espiral estreito, abriu o pequeno caderno e começou a desenhar. Ele esta concentrado, parecia que havia mergulhado completamente em seus pensamentos e esquecera do estresse da vida cotidiana.

Não se importava com a tremedeira do trem, nem com as pessoas que estavam ao seu redor, algumas observando-o. Continuava a desenhar, focado somente naquele papel, agora cheio de rabiscos.

O trem chegou a outra estação. Estação cheia, inclusive, uma das mais movimentadas do trajeto. Entram mais algumas pessoas, deixando o vagão, já pequeno, um pouco apertado e desconfortável. O homem,  um tanto triste fecha o caderninho. Encaixando o lápis de volta para o seu lugar de origem, ele anda até o outro lado do vagão , agora lotado, e se acomoda lá no meio de tantas outras pessoas. Ele olhava para o caderno, agora um pouco decepcionado.

O trem para na próxima estação, onde o homem desce do trem abafado. E agora? Para onde será que ele iria e o que fazia da vida? Será que um dia iria entrar nesse mesmo trem? No mesmo vagão? O que seria daquele desenho que ele começará a fazer?

terça-feira, 1 de abril de 2014

Adriana Varejão - Polvo




Adriana Varejão é com certeza uma das mais ousadas artistas contemporâneas brasileira. Surgiu junto com a chamada Geração 80, na Escola Parque Laje - RJ. Durante essas três décadas de produção construiu uma linguagem própria, visceral. Leva sua arte à situações limites e sempre estabelece um intenso diálogo com a história. No Inhotim - MG existe um pavilhão totalmente dedicado ao seu trabalho.


A partir de 5/4 estará inaugurando uma nova exposição " Polvo" , em São Paulo, no Galpão da Galeria Fortes Vilaça. Polvo discute conceitualmente a forma ambígua como o brasileiro define raça / cor da pele.
O ponto de partida é uma pesquisa do IBGE que questionava a população "qual é a sua cor?" que teve como resultado 136 termos diferentes.


Adriana escolheu 33 termos, os mais exóticos / poéticos / hilários, tipo: Enxofrada, Café com Leite, Cor firme, Queimada de Sol entre outros; e desenvolveu uma caixa com 33 tubos de tintas que dão materialidade para essas definições. Além da caixa, ela elabora um grande painel com retratos dela própria, feito por pintores retratistas sob encomenda, com pinturas faciais dessas 33 cores do Polvo.

 “Cor é linguagem, quando nomeamos todos esses matizes de peles, a gente dilui a questão das grandes raças – conceito, aliás, já derrubado por terra pela biologia”. Adriana Varejão


Imperdível!!!


Polvo
Adriana Varejão

De 5/4/2014 - 17/5/2014
Galpão Fortes Vilaça
Rua James Holland, 71 - Barra Funda





sábado, 29 de março de 2014

Joana Vasconcelos em São Paulo - Casarão


Joana Vasconcelos,  a mais midiática artista contemporânea portuguesa, estará expondo em São Paulo. Nos últimos anos Joana tem realizado exposições com muita repercussão. Participou da última Bienal de Veneza com "Trafaria Praia", onde adaptou um cancelheiro ( embarcação que faz a travessia no Tejo - Lisboa / Almada ) como um Pavilhão Flutuante, na parte externa uma mural de azulejos, no convés várias obras utilizando como base têxteis e luz.


Anterior a participação em Veneza, tinha em 2012 obtido grande repercussão de ser a primeira mulher a expor no Palácio de Versailles. Lá nos salões do palácio, sob peso histórico dos ecos dos passos de Maria Antonieta , Joana colocou Marilyn uma obra formada por panelas e suas tampas, delirante:


Em São Paulo a partir do dia 31/03, na Casa Triângulo, teremos a inspiração das telenovelas brasileiras, obras como "Casarão", "Água Viva', "Medusa" "Cravo e Canela' remetem a teledramurgia brasileira, muito consumida em terras lusitanas. Obras que tem como  referência a faiança de Rafael Bordalo Pinheiro e muito crochê. Pelas imagens de divulgação percebo um grande diálogo não só com Bordalo Pinheiro, mas com a poética da maciez da paulistana Leda Catunda e o movimento Yarn Bombing, que realiza intervenções urbanas com tricô e crochê, uma espécie de guerrilha da malha no street art.


Joana Vasconcelos - Casarão
De 31/03/2014 até 10/05/2014
Casa Triângulo
Rua Pais de Araújo, 77 - São Paulo

 http://www.joanavasconcelos.com/

http://www.casatriangulo.com/pt/exposicao/2014/163/1/

segunda-feira, 10 de março de 2014

Fotolabor - Werner Haberkorn na Caixa Cultural - Cenas das Artes no Centro de SP III


 

Continuando o roteiro pela região do centro de São Paulo estive na Caixa Cultural na Praça da Sé.

Existem 4 exposições em cartaz no momento,  com destaque para o catalão Miró. O tema desse post é a mostra de fotos da empresa Fotolabor.




A Fotolabor foi criada nos anos 40 do século passado,  seu acervo mostra o processo de transformação de São Paulo entre o período de 40 / 60.


Especializou-se em produzir cartões postais desse universo urbano mutante e produzir imagens para o mercado publicitário


O trabalho do alemão Werner Haberkorn dentro da Fotolabor em documentar a cidade é de uma beleza singela. Alimento fino para a alma dos paulistanos.


Werner Haberkorn e a Fotolabor
Caixa Cultural
Praça da Sé, 111
Até o dia 20/04/2014



quinta-feira, 6 de março de 2014

Visões na Coleção Ludwig - CCBB-SP - Cenas das Artes no Centro de SP II









Continuando a conferir as exposições no centro de São Paulo fui até o Centro Cultural Banco do Brasil onde está em cartaz "Visões na Coleção Ludwig".


Peter e Irene Ludwig são alemães e possuem um interessante acervo de arte contemporânea.  As obras estão distribuídas em 14 museus pelo mundo, as 80 obras em cartaz são do Museo Russo de São Petersburgo.


Oportunidade de ver obras de Andy Warhol, Roy Liechtenstein,  Jean Michel Basquiat, Picasso entre outros. A mostra conta com obras que representam a Pop Art e o Neo-Expressionismo. 


"Teia emaranhada que permite vislumbrar as linhas que se cruzam de um artista ao outro" diz o catálogo,  eu adorei a intervenção feita nos elevadores do CCBB onde todas as portas estão adesivadas com a imagem de obras ( hehehe )


 
Visões na Coleção Ludwig
Centro Cultural Banco do Brasil
Rua Álvares Penteado, 112
Até 21/04/2014

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Cristiano Mascaro - Turista Hotel - Cena das Artes no Centro de SP I


Em ano de Bienal de São Paulo a agenda de exposições na cidade fica mais carregada e com ótimas possibilidades de descobrir o mundo das artes. Neste início de 2014 dei conta de uma oferta muito interessante de exposições  na região central da cidade, primeiro pensei usar meu horário de almoço para ir conferindo, mas com o calor infernal do verão paulistano mudei a estratégia. Construí um programa de visitas aos diversos equipamentos culturais da região para acompanhar a cena da arte no centro de SP.


Primeira parada foi na Casa da Imagem - Museu da Cidade de São Paulo - que fica instalada no Solar da Marquesa de Santos, patrimônio histórico da cidade, edificação do século XVIII, que fica na região da Praça da Sé.


Na Casa da Imagem está ocorrendo a exposição " Turista Hotel" do fotógrafo Cristiano Mascaro. A carreira de Cristiano é marcada pelo olhar urbano, ele documenta a cidade com uma sensibilidade e poesia própria. O cenário paulistano é o foco principal de sua obra. A exposição é centrada pela imersão no universo do bairro do Brás na década de 70.


O Brás do anos 70 de Cristiano, difere do Brás do início do século XX de Antônio Alcântara Machado, as crônicas de "Brás, Bexiga e Barra Funda" mostra a industrialização de São Paulo e o bairro como espaço das fábricas e moradias operárias dos imigrantes italianos. Universo similar ao relatado por Dráusio Varela no livro "Nas ruas do Brás" que mostra ainda esse cenário nos anos 50 do século passado.


As imagens dos anos 70 de Cristiano Mascaro mostra um "outro" Brás. O bairro do comércio popular, com uma grande presença de nordestinos. Cenário urbano de grande fluxo de pessoas pela estação de trem e de corredor de ônibus para os bairros distantes da zona leste.


O cinema de rua era muito presente nessa região, o corredor Rangel Pestana  / Celso Garcia concentrava grande número de salas de cinemas que atualmente transformaram-se em templos de igrejas evangélicas.

O homem placa é um outro personagem desse universo urbano, utilizando o próprio corpo como suporte publicitário, divulga o comércio local nos pontos de concentração do bairro.

O Brás do século XXI já apresenta uma outra configuração, agora com uma presença marcante da comunidade boliviana que ocupa esse bairro carregado de história.

Turista Hotel
Exposição individual de Cristiano Mascaro
18 de janeiro a 6 de abril de 2014

Rua Roberto Simonsen, 136B

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A cadeira de Barbeiro de Miguel Sousa Tavares


Estava hoje cortando meu cabelo, sentado vendo os cachos despencarem da minha cabeça , cachos cada vez mais com o predomínio do branco, quando veio uma imagem do último livro que li do Miguel Sousa Tavares, Madrugada Suja.

Miguel Sousa Tavares é um jornalista português que virou um best seller com o livro "Equador", tendo como característica uma literatura leve, envolvente e sempre com muitos elementos da história de Portugal. Podemos até dizer que a trilogia Equador, Rio das Flores e Madrugada Suja conta a história de Portugal do século XX, com o advento da República, o início da ditadura Salazar ,  a Revolução dos Cravos e a entrada de Portugal na Comunidade Européia.


Madrugada Suja foi lançado no Brasil, pela Companhia das Letras, no final de 2013, tem como cenário o Alentejo e o contexto histórico dos últimos 40 anos, da Revolução dos Cravos até os dias atuais. Miguel usa um pouco das imagens típicas do realismo fantástico latino americano, uma minúscula aldeia alentejana, Medronhais da Serra, que vai sendo abandonada por seus habitantes....até ficar apenas um, Tomaz da Burra, o avô do personagem central da trama.

Em uma pequena aldeia alentejana a divisão do espaço público entre os  gêneros fica evidente. No domingo de manhã enquanto as mulheres ficam dentro da Igreja, ouvindo as palavras do padre; os homens ficam na barbearia, ela é o centro da discussão da política, da vida social da aldeia. A barbearia muito mais que cuidar da aparência dos homens, ocupa o papel central na discussão da política da época, a barbearia é o parlamento de Medronhais da Serra.

O mais hilário é que com o definhamento da aldeia, com a morte dos idosos e com a migração dos jovens para Lisboa ou para outros países da comunidade européia, a Barbearia Central é fechada e Tomaz da Burra arremata no desmanche da barbearia a poltrona.

A poltrona , símbolo provinciano da democracia,  tribuna nas discussões acaloradas que lá ocorriam e concorria com o púlpito católico. A imagem da poltrona do barbeiro como centro da vida pública de uma pequena aldeia do Alentejo foi a que veio aos meus devaneios enquanto meus cachos caiam...

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

140 caracteres - MAM SP


A  ideia é muito atraente, fazer uma leitura das manifestações que ocorreram  em junho de 2013 no Brasil através de 140 obras do acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo. O título remete a uma rede social, o twitter, que limita em 140 toques a mensagem que pode ser postada, ou seja, o terror dos prolixos, o twitter exige a síntese como exercício cotidiano.

Tudo foi produzido como fruto de um Laboratório de Curadoria,  que aconteceu no MAM,  que expressou o desejo de organizar uma exposição com obras do acervo do museu que incitassem a reflexão sobre a mobilização política por meio de redes sociais.

A maioria das obras selecionadas são dos anos 70, anos de chumbo no Brasil, onde a arte em vários momentos expressou-se contra a ditadura militar brasileira. Como as manifestações de junho são um fato extremamente recente, que ainda está sendo digerido, estudado e decodificado,  não existe no acervo do MAM obras que tenham sido produzidas impactadas por esse acontecimento.

O que poderia ser uma contradição acaba abrindo possibilidade de leituras novas para obras "antigas".

Declaración de los Derechos Humanos - León Ferrari - 2007



Uma mamadeira de plástico com uma xilogravura da Declaração dos Direitos Humanos, uma obra que discute a época da ditadura argentina. Uma imagem clara a Declaração como um alimento básico para crescermos e sermos cidadãos do mundo. Um mundo democrático.

Ironia do destino: em 2004, Leon Ferrari em uma exposição em Buenos Aires foi duramente atacado pelo cardeal Jorge Bergoglio, que dizia que a obra do artista " era uma blasfemia que envergonhava a cidade". O Centro Cultural Recoleta foi invadido por católicos conservadores que aos gritos de "Cristo Rei" destruíram várias obras de León Ferrari. O motivo da ira era a obra "A Civilização Ocidental e Cristã".


Justo no ano passado, o Cardeal Bergoglio foi eleito Papa e comanda a Jornada da Juventude no Rio de Janeiro, durante o período pós manifestações, e León Ferrari morreu aos 93 anos, em 25/7/2013, em Buenos Aires.

Tempo suspenso de um estado provisório - Marcelo Cidade - 2011


Uma placa de vidro com uma base de concreto e madeira, essa obra de Marcelo Cidade,  discute o medo e a violência urbana, o vidro estilhaçado pela bala. Os conflitos e os traumas de viver numa sociedade com as características de intensa desigualdade social.

A partir das manifestações essa imagem ganhou outros significados, como não olhar para um vidro estilhaçado e não pensar nos Black Bloc. Esse novo ator social , que usa como tática de manifestação política a destruição de vitrines de bancos e lojas de grandes corporações.

O MAM SP com 140 Caracteres conseguiu abrir de forma instigante a sua temporada de exposições de 2014.

140 Caracteres
Museu de Arte Moderna de São Paulo
Parque do Ibirapuera
De 28/01 a 16/03/2014

sábado, 11 de janeiro de 2014

O padeiro que fingiu ser Rei de Portugal


Parece uma tradicional piada sobre português ou então um título de uma ficção de realismo fantástico, mas na verdade, trata-se de um interessante resgate histórico efetuado pela pesquisadora Ruth Mackay, vinculada a Universidade de Stanford, na Califórnia -  EUA.

O livro dedica-se a estudar o período do século XVI, quando em 1578 o rei de Portugal, Dom Sebastião, desaparece numa batalha em Marrocos, a Batalha de Alcácer Quibir, onde as tropas portuguesas sofrem uma grande derrota para os mouros.

Como o jovem Dom Sebastião, que tinha 24 anos e governava Portugal a uma década,  não tinha herdeiros o trono de Portugal foi ocupado pelo Rei da Espanha, Felipe II, ocasionando a junção do Império Ibérico sobre o comando espanhol.


O corpo do Rei nunca foi devolvido à Portugal, isso junto com a submissão à Espanha, criou-se um mito, o sebastianismo. Basicamente a ideia é que o Rei não estava morto e voltaria para salvar os portugueses da submissão espanhola. Mito que persiste até hoje a fé que um Sebastião retornará para libertar Portugal dos seus problemas.

A trama que o livro narra é a tentativa de frei Miguel , um agostiniano vinculado a nobres portugueses que reivindicavam o trono português em transformar um padeiro como D. Sebastião, construindo um história que o Rei envergonhado com a derrota em Alcácer Quibir fez um juramento de ficar 20 anos longe de Portugal e passou a viver como um plebeu.

O enredo logo chegou aos ouvidos de Felipe II, que desmontou a trama dos religiosos com setores da nobreza ibérica, óbvio que os depoimentos foram regados a muita tortura e resultaram em prisões e mortes.

O sebastianismo enredou-se pelo sertão brasileiro, Antônio Conselheiro abusava do mito do sebastianismo, como um messias que voltaria para trazer de volta a Monarquia. Até o treinador de futebol Felipão, na sua passagem pelo futebol português ( onde conseguiu um vice campeonato europeu e o quarto lugar na Copa do Mundo ) foi considerado um "Sebastião" que voltava para trazer alegrias aos portugueses.

O padeiro que fingiu ser Rei de Portugal
Ruth Mackay
Editora Rocco